O Trevim assinala 53.º aniversário com o lançamento da obra “Estórias de um Arquivo Judicial – A Grande Devassa – 1820-1920”, do vilarinhense José Avelino Gonçalves, Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Castelo Branco e Desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra
“Estórias de um Arquivo Judicial – A Grande Devassa – 1820-1920”, editada pela Cooperativa Trevim, compila 32 estórias baseadas em documentos processuais empoeirados e meio que esquecidos no sótão do Tribunal da Covilhã, em que José Avelino se deixou embrenhar, num extenso trabalho de investigação e pesquisa para os voltar a trazer à luz do dia.
“Um conjunto de processos que teriam escapado a um incêndio de um tribunal antigo e que alguém resolveu ali colocar, tendo ficado perdidos durante cerca de 70 anos”, explicou o autor, durante a apresentação da obra, realizada dia 3, no Hotel Palácio da Lousã, com lotação limitada devido à pandemia de Covid-19.
O primeiro livro, que conta com ilustrações da arquiteta Cláudia Gonçalves, sua filha, aborda cem anos da história portuguesa, num período marcado pelas Invasões Peninsulares, Guerras Liberais, Monarquia Liberal, a implantação da República e 1.ª Guerra Mundial.
Durante a apresentação, apontou o escritor Santos Costa, amigo de longa data de José Avelino, que a Grande Devassa descreve “muito bem a região” das Beiras, ao passo que desbrava os seus costumes, ritos, vivências, trajes, sabores, cheiros e ruídos, bem como a legislação, e o papel do clero e da taberna, desde a Idanha, à Cova da Beira, passando pelas serranias da Estrela, Açor e Lousã. Entre as narrativas, algumas já publicadas no Trevim em forma de crónicas, encontra-se “O Baeta de Serpins e a Erva-Santa” (1848), “A igreja de Vilarinho e o Roubo dos Vasos Sagrados” (1869) e também “O Iglésias, a Chave Falsa e o Licor da Lousã” (1891).
Aqui se vê “a importância dos arquivos, muitos deles denominados como mortos, mas que encerram nesses esqueletos muita da nossa história e servem para retratar exatamente a nossa evolução enquanto sociedade e comunidade”, disse por sua vez, João Lobo, presidente do Município de Proença-a-Nova, responsável pela composição e grafismo da obra. Paulo Peralta, presidente da Direção da Cooperativa Trevim espera que a obra “seja o mote para diversos debates em torno de temas estruturantes como a justiça e suas instituições, os duzentos anos das lutas liberais e a importância da escrita na sociedade”.
Trata-se de um livro, com inspirações na literatura de Camilo Castelo Branco e de Eça de Queiroz, que Santos Costa considera “inédito, corajoso, e de grande valia para o país não só para a justiça, mas para os cidadãos”, destacando-se, por exemplo, as “mulheres decididas” daquela época, que “mesmo que iletradas, tinham uma força extraordinária que nesse tempo não lhes era reconhecida, e hoje já é”. Referia-se às estórias da viúva Veiga ou Rosa Jacinta de Carvalho “que aguenta sozinha a gestão de uma empresa num mundo de homens mandões”, de Bárbara Joaquina, “ganadeira com 700 cabeças de gado a precisar de pasto”, da Brígida, “de quem o Diabo foge a sete pés”, a Rosa Enjeitada que reúne mulheres revoltosas por causa de um cemitério, tal uma Maria da Fonte, por idênticas circunstâncias” e a Josefa Mineira “empreendedora até nas falências de muitos maridos e negócios”.
Segundo contou José Avelino, a capa do livro, que inclui um processo de 1833 associado à história da viúva Veiga, corrobora este mesmo simbolismo e foi “escolhido para elogiar a mulher portuguesa”. A obra é, neste contexto, também sentidamente dedicada às “quatro mulheres da sua vida”, a mãe Dulce, a esposa Lina, e as duas filhas, Cláudia e Filipa.
“Veia de historiador e arqueólogo”
José Avelino, nascido em 1965 em Vilarinho, foi cooperante do Trevim desde os tempos de estudante, tendo sido correspondente daquela freguesia durante vários anos e integrado o conselho de redação e outros órgãos sociais.
Materializou com este livro, impresso pela centenária Tipografia Lousanense, a “veia de historiador e arqueólogo” que tem desde a infância, prestando também homenagem aos territórios e às gentes das Beiras. “A Lousã é a minha terra natal, tenho cá a grande maioria da minha família mas também tenho terras adotivas” disse, destacando todo o distrito de Castelo Branco, bem presente nos processos e nas histórias.
A sua dimensão profissional mas também como cidadão mereceu a presença na apresentação do livro dos presidentes de câmara José Nunes, da Sertã, Luís Pereira, de Vila Velha de Ródão, João Lobo, de Proença-a-Nova, Vítor Pereira, da Covilhã, Fernando Jorge, de Oleiros e também de João Catarino, Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território e ex-presidente do Município de Proença-a-Nova.
Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal da Lousã, inclui José Avelino na lista “de ilustres vilarinhenses como Vicente Ferrer, Neves Ribeiro, também fundador do Trevim, e Alcides Martins, figuras de grande dimensão cívica com uma carreira na área do direto, que muito honram o concelho”.
Autor prepara segunda obra
Respondendo ao repto deixado pelos presentes, José Avelino anunciou estar já a cozinhar um segundo livro, em que inclui a história de uma rebelião contra D. Miguel, preparada para acontecer em Lisboa e também na Covilhã, que nessa época era a terceira cidade com maior poder económico do país. Um 23 e 24 de dezembro de 1828 “muito sangrentos”, contou. Naquele período, entre 1828 e 1934, tudo estava relacionado “com ideologias, as liberais e as absolutistas, matavam-se os vizinhos, a família, havia perseguições”.
São, segundo avançou, mais sete ou oito vivências e conflitos, provenientes do “manancial de processos” que encontrou no sótão do Tribunal da Covilhã, e que deverão ser perpetuados nesta segunda obra.
Documentos originais e marcas de água de fábricas da região em exposição itinerante
Alguns dos documentos processuais que serviram de base ao livro estão em exposição na Biblioteca Municipal até ao final de outubro, também uma iniciativa da Cooperativa Trevim. A mostra, inaugurada dia 3, é acompanhada de uma outra, que explora as marcas de água usadas pelas fábricas de papel da região. Entre elas, a Fábrica de Papel de Góis, fundada em 1821 em Ponte de Sótão, a Fábrica de Papel do Boque, em 1861, e a Prado – Cartolinas da Lousã criada em 1748, originalmente denominada Fábrica de Papel da Lousã, a indústria papeleira mais antiga de Portugal ainda em laboração.
Esta é uma exposição itinerante que será possível de visitar em novembro, no em Idanha-a-Nova, em dezembro, na Covilhã, e em janeiro, em Castelo Branco, cujas datas anunciaremos oportunamente.
Agradecimentos
Câmara Municipal de Proença-a-Nova, Câmara Municipal da Lousã
Licor Beirão, Efapel, Prado – Cartolinas da Lousã
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