Alienação
José Oliveira
Estou cada vez mais determinado na minha repulsa para com o fenómeno chamado futebol, repulsa que acalento desde que me conheço.
Por volta dos treze/quinze anos, ainda teimei em ir ao ‘estádio’ do Carapinhal ver o Mirandense defrontar o Lousanense e, embora se tratasse de um futebol de nível respeitável, nada inquinado pelos malefícios do vil metal, nem assim consegui assistir a um único jogo completo. Que querem? Tenho esta insuficiência! E olhem que, naquele tempo, havia jogos muito bem disputados! Dentro e fora das quatro linhas! Uma vez, o Júlio Miranda, que integrava frequentemente a comitiva de apoio aos futebolistas lousanenses munido de um corno que fazia soar à laia de trompa, esteve no epicentro de um sarilho dos diabos que redundou numa cena de pancadaria no campo do Mirandense. O caso conta-se num instante: quando ele fazia fuuu! Fuuu! soprando no apêndice bovino, um adepto do onze lousanense gritou alto e bom som, dirigindo-se ao Júlio: “Ó Miranda do Corno!” Embora um tanto mal amanhada, a piada teve o condão de irritar uns quantos adeptos da equipa de Miranda do Corvo e a coisa deu para o torto, descambando para um desafio de luta-livre na assistência, em paralelo com a disputa futebolística propriamente dita.
Mas o desvario não ia além destas peripécias, que hoje até dão para nos fazer sorrir. Não me lembro de que alguém tenha saído dali com a cabeça partida ou a escorrer sangue pela boca.
Hoje, volvidas algumas décadas, deparamo-nos com cenas de violência muitíssimo mais graves, originadas não por uma laracha cacofónica surgida espontaneamente, mas sim planeadas de modo calculado, organizado, com propósitos inconfessáveis que nada têm a ver com desporto. São, aliás, mais equiparadas às práticas do terrorismo.
Desporto, em regra, é uma actividade nobre que acarreta saúde e hombridade para quem o pratica. Porém, estas práticas a que assistimos, carregadas de fanatismo, venalidade e agressividade, promovidas em pródigos tempos de antena e espaços de jornal, não são desporto. São alienação em toda a linha.
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