Fui diretor do Trevim entre 1990 e 2002, um tempo de enormes alegrias, emoções indescritíveis, conflitos internos e externos. Cedo percebi que o jornal tinha inimigos que nunca deixariam de o ser. Não que esta “voz nova para uma Lousã renovada”, criada em 1967, pudesse constituir perigosa ameaça para a ordem estabelecida.
Embora irreverente e desassombrado, aqui e ali, o Trevim nasceu com uma assumida preocupação de boa vizinhança e independência face aos poderes político, económico ou religioso. Nessa época, o presidente da Câmara, nomeado pelo regime, era o notário Henrique Figueiredo, homem aberto, oriundo de Vila Nova do Ceira.
A ditadura fascista tentava apresentar-se aos portugueses como amena Primavera Marcelista. A pedido dos promotores deste projeto “de informação e cultura”, o presidente aceitou ser entrevistado para a primeira edição do Trevim. Contam os fundadores que este clima amistoso com o autarca foi sol de pouca dura. Num tempo em que a imprensa era sujeita ao exame prévio, o quinzenário teve muitos dos seus textos cortados, total ou parcialmente, pelo lápis azul dos censores. Após o 25 de Abril, foi com Horácio Antunes, presidente da Câmara da Lousã pelo PS, que o Trevim travou e ganhou algumas das mais duras batalhas da sua existência. Fui arguido em dois processos judiciais que Horácio, pai do atual presidente da Câmara, Luís Antunes, moveu ao jornal. Num primeiro caso, fui absolvido na primeira instância. O Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a absolvição, em 1993. O presidente apresentou uma segunda queixa, alegando abuso de liberdade de imprensa, da qual veio a desistir.
Tal chuva de processos levou os fundadores do Trevim – Pedro Malta, José Redondo, José Luís Duarte, António Neves Ribeiro, João Silva, Fortunato Almeida e Rui Fernandes – a avançar com uma iniciativa para ajudar à defesa do jornal em tribunal.
A campanha “Ser solidário” permitiu juntar o dinheiro com que pagámos ao advogado e suscitou belíssimos gestos dos leitores. Além da divulgação dos donativos, eram publicados em cada edição textos de incentivo que nos faziam chegar.
Devo revelar, quase 25 anos depois, que também o ex-pároco da Lousã Alberto Sanches Pinto, na altura residente na zona de Coimbra, escreveu uma carta em que se punha à disposição do diretor para o que fosse necessário nessa fase difícil!
Importa recordar que o falecido padre Alberto fora diretor do jornal católico A Voz da Paróquia, que fez aguerrida concorrência ao Trevim nos primeiros anos de publicação. Após ter assumido a presidência da Câmara, coube a Fernando Carvalho distinguir o jornal com a Medalha de Mérito Concelhio. Pareciam enterrados os machados de guerra. Mas os ataques à independência do jornalismo depressa regressaram. Hoje, com Luís Antunes na Câmara, persistem omissões, areias na engrenagem e ínfima transparência, apesar de a autarquia dispor de uma máquina de comunicação como nunca teve.
Há mais punhos de renda, é certo, mas que não deixam de reproduzir a relação pouco saudável do poder local com a imprensa e a liberdade de expressão, um pouco por todo o país. Cinquenta anos depois, a Lousã precisa de um jornal firme, que esteja com a comunidade e os leitores e que saiba recusar o mesquinho prato de lentilhas. A democracia e o desenvolvimento agradecem.
Casimiro Simões
Colaborador e ex-diretor
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